outubro 09, 2006

Proposta de Revitalização da Baixa-Chiado

POLÍTICAS PÚBLICAS DE SUPORTE À INTERVENÇÃO


A presente proposta tem subjacente, como não poderia deixar de ser, uma política pública definidora dos grandes objectivos que a revitalização da Baixa-Chiado visa alcançar, muitos dos quais ultrapassam o seu âmbito territorial para se reflectirem favoravelmente em toda a cidade, na grande Lisboa e no País.
A perspectiva integrada e integradora do projecto é fundamental para, em torno de um conceito de revitalização mais profundo, amplo e sustentável que o da mera reabilitação urbana, realçar as políticas públicas de suporte à intervenção que permitirão respeitar e cumprir os objectivos que, embora sectoriais, se consideraram como indispensáveis e devem, pois, ser vistos e tratados no seu conjunto.


3.1 Cultura

VALORIZAR O PATRIMÓNIO

A Baixa Pombalina é a resposta ao terramoto de 1755 que destruiu o centro de Lisboa. A cidade nova exprime, no seu próprio plano, a afirmação da capitalidade de um império que tinha no mar a sua razão de ser e uma ideia utópica de sociedade, racional e estruturada, onde as diferenças se esbatem no propósito comum de gerar o progresso.
A rápida resposta à catástrofe manifesta também a qualidade do urbanismo português, utilizando e ampliando a experiência de “fazer cidade” nos espaços do império entre os séculos XV e XVIII, nos arquipélagos de Madeira e Açores, no Norte de África, na Índia e, sobretudo, no Brasil. A este propósito, deve salientar-se que as cidades brasileiras classificadas como Património da Humanidade (mas também Galle no SriLanka ou a Colónia do Sacramento no Uruguai) todas têm origem no urbanismo português.
Em termos técnicos, a cidade reconstruída apresenta soluções inovadoras, nos domínios do urbanismo, das tecnologias construtivas e da arquitectura, esta submetida a uma estética sóbria e estandardizada, de gosto proto-neoclássico. Integrando a importante dinâmica urbana da Europa do século XVIII, a reconstrução de Lisboa distingue-se pela extensão da área abrangida; por cumprir, com rigor, o plano delineado; por cerzir, com eficácia, o então inventado presente de Lisboa com o seu passado e futuro.
O Plano de reconstrução (delineado pelo Eng. Eugénio dos Santos e a sua equipa, sob a direcção de Manuel da Maia) revelou qualidades de flexibilidade e adaptabilidade. Permitiu salvaguardar memórias e símbolos da cidade desaparecida, por exemplo na Praça do Comércio, que é o antigo Terreiro do Paço, regularizado e unificado arquitectonicamente, substituindo o conjunto palaciano por edifícios destinados às funções de um Estado moderno.
A adequação do Plano permitiu, também, a sua actualização ao longo de 250 anos, com marcações arquitectónicas que vão do neoclassicismo aos revivalismos do século XIX e às várias estilísticas novecentistas, incluindo a Arte Nova, as Art Déco, o Modernismo internacional até à estética patrimonialista e neomoderna de Siza Vieira, responsável pelo plano de reconstrução do Chiado, depois do incêndio de 1988. A Baixa Pombalina é ainda exemplo eminente de um tipo de construção e tecnologias específicos, como acontece com a gaiola pombalina, comportando um conjunto diversificado de normas para melhorar as condições de resistência aos sismos e incêndios. Simultaneamente, ela foi concebida e desenhada como conjunto monumental que, simbolicamente, representa Lisboa, capital de Império.
Pode por isso afirmar-se (utilizando as palavras da Arq.ª Maria Helena Ribeiro dos Santos no justificativo da Candidatura da Baixa a Património da Humanidade) que a reconstrução impôs um Plano, uma Arquitectura e um Estilo. Impôs, igualmente, sistemas construtivos anti-sísmicos e antifogo, definindo estruturas e materiais utilizáveis, contribuindo para a homogeneidade de toda a área.


Ampliar e actualizar os inventários
A área de intervenção foi, no essencial, definida pelo Conselho Científico da Candidatura da Baixa Pombalina a Património da Humanidade, em 2005, partindo dos limites do plano pombalino, proposto por Eugénio dos Santos.
Por este facto,mas também pela densidade de monumentos e edifícios de interesse patrimonial ali existentes, todos os projectos de revitalização e modernização do edificado têm de ser rigorosamente ponderados caso a caso, no seu valor patrimonial intrínseco e na sua relação com o quarteirão em que este se inserem.
Por isso, o inventário é um instrumento estratégico que informa, suporta e determina as indispensáveis intervenções, entendido como “trabalho em aberto” e, simultaneamente, conjunto flexível de princípios e orientações, de que destacamos:
Continuidade em relação aos inventários bastante desenvolvidos, que têm vindo a ser realizados pela SRU, pela DGEMN e pelo Gabinete da Baixa-Chiado, que devem ser continuados, aprofundados, sistematizados e disponibilizados à consulta pública;
Alargamento, na área de intervenção definida, para fora da Baixa propriamente dita, tal como a zona da Sé, a Rua dos Bacalhoeiros, o Cais de Santarém, a nascente, e a zona de São Paulo, a poente;
Estruturação histórico-artística, privilegiando, em primeiro lugar, o edificado pombalino do século XVIII e primeiros anos do século XIX, mas, logo a seguir, outras épocas construtivas, anteriores e posteriores à reconstrução, incluindo o desenho de interiores e soluções decorativas;
Enriquecimento histórico e social, abrangendo o comércio e outras actividades económicas, bem como marcas diversas de vivências quotidianas;
Valorização da componente arqueológica, não só em relação a passados remotos, mas também às sobrevivências pré-terramoto, escondidas ou integradas no novo tecido edificado, devendo tais elementos ser integrados no citado inventário (caso, por exemplo, do Corpus Christi ou do Hotel Bragança);
Tipificação da ficha de inventário (que remeterá também para o quarteirão ou edifícios de acompanhamento) que, caso a caso, determinará os modos de reabilitação, os usos tradicionais e as possibilidades de reabilitação ou reformulação.

Além do inventário do existente em termos da arquitectura e de memórias sociais, há a considerar duas outras direcções de estudo sistemático e operativo:
O território físico da Baixa, nomeadamente a sua geologia e hidrografia, seguindo as urgências delineadas no texto de João Appleton que integra este capítulo.
O património imaterial, nos domínios da literatura, das artes plásticas, do teatro, do cinema e da música que, em obras individuais e tertúlias desde o século XIX (algumas ligadas a edifícios e trajectos concretos), foram fazendo da Baixa um dos lugares privilegiados da cultura portuguesa. Citando um exemplo de amplo reconhecimento, a Baixa é também a “Rua dos Douradores” de Fernando Pessoa.


O património como valor de investimento
A decadência da Baixa-Chiado (mais evidente na Baixa propriamente dita, alargando-se ao Cais do Sodré e a S. Paulo, do que no Chiado) tem a sua expressão mais evidente no abandono de muitos edifícios total ou parcialmente devolutos, e, em alguns casos, em mau estado de conservação. Saliente-se, neste quadro geral, que parte dos edifícios em mau estado detém valores construtivos e estéticos do pombalino. Em geral, os levantamentos realizados pela SRU permitem identificar o número, a localização e as premências de intervenção de salvaguarda e revitalização.

Esta situação manifesta que, apesar da importância inquestionável da Lisboa pombalina, nunca foi possível, ao longo do século XX, delinear e executar um plano de salvaguarda. Mas ela cria, positivamente, a nossa oportunidade de intervenção.

O maior desafio é, neste domínio, salvaguardar maximamente o edificado de raiz pombalina, segundo instrumentos de intervenção rigorosos que, no entanto, serão também flexíveis. A referência será a ficha de inventário desenvolvida que, caso a caso, determinará os modos de reabilitação;

A determinação de que o edificado mais antigo e mais íntegro da Baixa-Chiado vai ser valorizado, dentro dos limites impostos pelas exigências da salvaguarda, tem implicações imediatas, para os usos dos edifícios que, por princípio, devem manter as suas tradicionais funções de habitação e comércio;

Ao eleger-se a salvaguarda como coluna dorsal da intervenção na Baixa/Chiado, afirma-se uma política cultural que:
– modela a modernização sobre as potencialidades riquíssimas das heranças;
– gera investimentos qualificados, em termos de recursos humanos e tecnológicos, capazes de delinear e concretizar a revitalização dos edifícios e conjuntos;
– participa e enriquece o debate sobre os valores da cidade europeia onde a história se acumula por diferenças, lacunas, utopias, resistências e inércias, entendendo a sua modernização como um processo sempre aberto.


Salvaguardar e criar de novo
A determinação de que o edificado mais íntegro da área de intervenção vai ser valorizado, dentro dos limites impostos pelas exigências da salvaguarda, não é incompatível, em termos do Instrumento Urbanístico a elaborar, com a possibilidade, a ponderar caso a caso, de se realizarem eventuais demolições, dando lugar a edifícios novos, relativamente integrados em termos urbanísticos e de qualidade arquitectónica moderna.
Não é incompatível também com ponderadas alterações de uso; com a não-correspondência entre a fachada salvaguardada e os interiores totalmente reconvertidos; a ligação interna de vários edifícios, aparentemente distintos em termos de fachadas; finalmente, com a demolição de desqualificados pastiches neopombalinos sem qualidade.
Estas possibilidades inscrevem-se em conceitos flexíveis que reconhecem a má qualidade de algum edificado da Baixa e áreas adjacentes; as numerosas alterações dos interiores; a necessidade de garantir a viabilidade cosmopolita de toda a área. Elas têm também uma espécie de inscrição histórica, uma vez que, desde o início do século XX, se realizaram algumas demolições na Baixa-Chiado, dando lugar a edifícios que hoje são valores patrimoniais, embora não pombalinos.
O que se exige é que o instrumento urbanístico garanta as condições de credibilidade para que qualquer “criação de novo” seja, de facto, sempre excepcional e rigorosamente justificada.
A requalificação da Baixa-Chiado deve, também neste campo, ter valor de exemplaridade, em termos nacionais e internacionais, articulando-se com a qualidade reconhecida da melhor da nossa arquitectura contemporânea.


Promover a formação e disseminação de saberes e práticas especializadas: a Escola especial de Artes e Ofícios
A revitalização da Baixa passará por vastas campanhas de obras a que corresponderão investimentos de muitas centenas de milhões de Euros; por isso, existem condições objectivas para que esta mega-operação, a desenrolar-se num horizonte temporal que não será inferior a 25 anos, seja motor e centro de uma nova mentalidade quanto à aprendizagem de princípios, metodologias e práticas de conservação e de reabilitação, envolvendo todos os agentes interessados.

Esta dinâmica enquadrará a criação de uma Escola especial de Artes e Ofícios (articulada com outras instituições da área, nomeadamente a Faculdade de Belas-Artes) dedicada a um ensino simultaneamente horizontal e vertical, onde caberão os saberes práticos da experiência feitos e os conhecimentos teóricos, científicos, multidisciplinares. O objectivo será criar um lugar para a sensibilização e aprendizagem de todos os que irão participar no que se deseja ser um gesto exemplar de reflexão e trabalho sobre a cidade velha.

A prioridade deve, apesar de tudo, ser dirigida a um conjunto mais restrito de operadores: em primeiro lugar, os projectistas, arquitectos e engenheiros que ainda hoje estão muito pouco preparados (e mesmo pouco interessados) para enfrentar os desafios técnicos que se adivinham; para estes, a Escola seria uma espécie de extensão da Universidade, mas com uma forte componente de atelier de projecto. Depois, virá a necessidade de (re)aprender materiais e técnicas, combinando o artesanato e os materiais tradicionais com a inovação tecnológica, com os novos materiais e equipamentos, cuja utilização não deve ser desprezada, muito menos anatemizada; esta componente de ensino, dedicada aos operários-artesãos, é, porventura, a mais difícil de organizar e, por isso, deveria ser prioritária.

Esta ideia de uma escola para a Baixa poderá fazer convergir parcerias universitárias diversificadas e recursos europeus para a formação profissional, numa estruturação flexível marcada pelo espírito da reforma europeia de Bolonha.




Redes de cultura





REDES DE CULTURA – FRUIÇÃO E COSMOPOLITISMO

Territórios de Cultura: A Baixa-Chiado em diálogo com as envolventes
Nos aspectos culturais, interessa enquadrar os objectivos e as intenções já manifestadas, assumindo que deve haver uma estratégia comum, multidisciplinar e de eficácia para a ‘Baixa-Chiado’e áreas adjacentes, que a completam e valorizam. A intervenção urbana, tal como se antevê na Baixa-Chiado, irá certamente constituir um desafio cultural imenso, não só pelo nicho de oportunidades inovadoras que se abre no centro da capital, como também pela multiplicidade de áreas e acções programáticas a estabelecer no terreno. Em diálogo. Em parceria. Que são práticas ainda pouco comuns. Temos, assim:

A COLINA da SÉ ainda consegue respirar alguma tradição lisboeta, muito própria, idiossincrática, de vizinhança de ofícios e mesteres. Corresponde a um pequeno ‘ecossistema’ que sobrevive indiferente à vizinha Baixa, com a qual teve e tem poucas relações.

A Sé e a Igreja de Santo António, o Teatro Romano são pontos de referência essenciais turístico/culturais, além da chamada ‘Sala do Risco’ (galeria de exposições,municipal, junto à Igreja de Santo António) e de algumas casas de fado. Refira-se que o carácter próprio desta zona tem boas condições de valorização.

A COLINA do CHIADO/CARMO/ CAMÕES tem uma tradição mais cosmopolita, burguesa, de comércio e vida mundana (clubes e centros de cultura). A reconstrução após o incêndio não lhe afectou significativamente o carácter matricial. A presença da Faculdade de Belas-Artes, salas de espectáculo de referência (S. Carlos, S. Luiz e Trindade), museu do Chiado, das livrarias, galerias e cafés dão ao Chiado/Camões o seu vinco tradicional de elite e ‘centro de agitação intelectual’. Patrimonialmente, existe ali um conjunto de monumentos notáveis (Convento do Carmo, Igrejas do Chiado...) que enquadra com nobreza toda a ambiência referida.

A sul, no sopé desta colina, está o CAIS do SODRÉ/S. PAULO, com características socioculturais bem diferentes, que aliam o carácter popular ribeirinho (a velha Praça da Ribeira) à boémia marinheira nocturna dos bares e ‘boîtes’. A presença, desde os anos 90, da sede da Ordem dos Arquitectos terá induzido de certa maneira uma ténue implantação de pequenos ‘nichos’ culturais, de vanguardas diversas (galerias), algo marginais, em antigos cafés, o que pode tornar interessante uma ideia reprodutiva. Trata-se de uma zona em depressão construtiva, a reequacionar funcionalmente.

Descendo ao ‘lençol entre colinas’ que se estende dos Restauradores ao Terreiro do Paço, começamos o percurso pelas PORTAS de SANTO ANTÃO, uma potencial ‘mini-Broadway’ lisboeta, fechada nos anos 90 ao trânsito automóvel, com salas de espectáculo (Coliseu, Politeama, o Odeon e o Olímpia (desactivados), até ao Teatro Nacional D. Maria II, restaurantes e cervejarias, de diversa graduação. Ali se encontram também a Sociedade de Geografia, o Ateneu, a Casa do Alentejo e o Palácio Almada. A população é flutuante, não fixa, e a frequência é socialmente plural.

O ROSSIO, em contraposição ao ‘Terreiro do Paço’, é o ‘Terreiro do povo’. Ladeada a montante pela Estação de comboios/escadinhas do Duque, e orientada pelo eixo Teatro Nacional/Arco do Bandeira, a praça envolve toda uma vivência urbana, plural, de passagem e convívio de café (Nicola, Suíça, ginjinha), com algum comércio diversificado e alguma (escassa) hotelaria. A Igreja de S. Domingos é uma referência patrimonial de elevado interesse. Esquecida injustamente, já que é, paradoxalmente, a igreja mais frequentada pelos lisboetas que até ali chegam diariamente das diversas colinas, com o maior número de missas diárias em Lisboa. A ‘igreja do fogo’ congrega a maior devoção dos lisboetas...

Ao lado, pela R. de S. Domingos (com peculiar comércio), chegamos à PRAÇA da FIGUEIRA, que ladeia o Rossio a escassos metros de distância, uma praça que nunca o foi pela História, mas que agora o é pelo desenho. Frequentada pela imigração, com comércio pobre e cafés, parca e pobre habitação, pensões económicas, com a estátua de D. João I, agora implantada ao eixo da R. da Prata. E são estas as duas praças que abrem o caminho da BAIXA POMBALINA:

A Baixa, estruturada ao centro pela R. Augusta, a de maior largueza, teve na origem e na toponímia, os ofícios e as profissões do velho Reino. Habitação, comércio e serviços estão desproporcionados, sendo hoje rara a habitação. A Banca permanece. O comércio persiste, em decadência progressiva, e, para lá de património monumental de potencial interesse (como as importantes ruínas romanas da R. da Prata e o Convento Corpus Christi), existe um conjunto muito interessante e coerente de restaurantes na R. dos Correeiros – os célebres ‘galegos’, merecedores de futura atenção especial. A população é predominantemente de passagem, de serviços e comércio, durante o dia, findo o qual, à noite, é o deserto absoluto.

A PRAÇA do COMÉRCIO/TERREIRO DO PAÇO é o monumento por excelência. Pela escala, pelo desenho, pelo lugar. Ministérios, serviços públicos e o constante vaivém, a horas certas, da margem sul para Lisboa. Palco de festas de rua em datas festivas e culturalmente pouco equipada (o ‘Wellcome Center’, na ala ocidental, não resultou no programa).


Potenciar as práticas culturais
A Baixa-Chiado dispõe de um conjunto muito qualificado de equipamentos culturais diversificados.
Alguns deles, como teatros e museus, são referências históricas da cultura nacional e possuem articulações internacionais que se manifestam, embora sem sistematicidade, na sua programação.

A maioria foi objecto de requalificações recentes e dispõe de muito boas condições de trabalho e de acolhimento dos públicos. Assim acontece, por exemplo, com os teatros de S. Carlos, D. Maria II e S. Luiz, com o Museu do Chiado, o Museu Arqueológico do Carmo ou, já na envolvência, o Museu do Teatro Romano e o Museu de S. Roque, ou o Coliseu dos Recreios. Este facto positivo não deve fazer esquecer situações graves como a do Teatro Politeama, e indecisões que devem ser resolvidas, como a da Estação do Rossio.

A par destes equipamentos históricos, é necessário recordar a existências de Clubes, Associações da importância do Grémio Literário e do Centro Nacional de Cultura, Escolas Superiores (Belas-Artes, Conservatório Nacional, Companhia Nacional de Dança) e um número ainda impressivo de igrejas que representam as freguesias mas também patrimónios relevantes, onde por vezes se realizam espectáculos musicais.

Este excepcional tecido cultural articula-se ainda através de algumas lojas históricas, galerias de arte, sobreviventes cafés e espaços públicos de estadia ou rápida circulação.

Deve considerar-se finalmente que, em geral, apesar de habituais constrangimentos, os referidos equipamentos apresentam programações qualificadas, diversificadas e atractivas.

No entanto, apesar da positividade contida na análise feita, a sensação dos lisboetas e dos turistas nacionais e estrangeiros mais informados é que a Baixa-Chiado é culturalmente intensa, mas sem animação.
Por isso, o que urge fazer é, sobretudo, potenciar o existente, nomeadamente através de:
Programações em rede, o que implica diálogo, articulação prévia de projectos e calendários e divulgação conjunta. Estas redes podem ser de diversos níveis, envolvendo tipologias afins (teatro; exposições; conferências; música ou dança), mas também a diversidade imaginosa de vários cruzamentos tipológicos;
Promoção de eventos diversificados em “sequências concentradas” com forte expressão de fim de dia e nocturna, e em programas de fim-de-semana. De uma maneira ou de outra, o que é indispensável é romper com a cristalização dos horários e intensificar ritmos de produção e oferta;
Promoção da rua como espaço cultural, para onde, em grande parte do ano, as programações possam extravasar. Mais fácil para a música e para o teatro, menos para exposições, o que se pretende é que os passantes ocasionais possam ser atraídos e que os públicos fiéis, bem como artistas, possam participar no desafio de prolongar os espectáculos na rua, nas praças, jardins ou miradouros. Neste caso, serão particularmente pensadas;
as imensas possibilidades da frente ribeirinha, da Praça do Comércio, do Rossio e da Praça da Figueira;
– Promoção de estratégias comuns de divulgação, como aspecto essencial do bom funcionamento em rede, através de uma marca “Cultura Baixa-Chiado” em que os muitos estudantes que ali se movimentam possam criar e ciclicamente renovar; que deve manifestar-se em cartazes, desdobráveis, catálogos, roteiros, performances, instalações, etc.; que abrangerá determinadas actividades comerciais (livrarias, galerias, alguns hotéis, restaurantes e cafés, alguns transportes públicos), num esforço conjunto de ampla democratização;
Promoção de modelos inovadores de mecenato cultural junto dos diversos investidores interessados no renascimento da Baixa-Chiado, como uma das fontes de financiamento do programa “Cultura em Rede”.


O núcleo museológico do Convento de S. Francisco
Apesar da qualidade do espaço, da colecção e das exposições, o Museu do Chiado (ali instalado em 1911) tem uma área exígua que não lhe permite potenciar as suas actividades.
Este facto, reconhecido logo no momento da sua reabertura em 1994, é assumido pelo Governo como uma das suas prioridades de política cultural.Trata-se de reordenar e revalorizar o importante ex-Convento de S. Francisco que alberga também (o que deve continuar) a Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e a Academia Nacional de Belas-Artes. Pelo contrário, o Comando da PSP ali instalado deve ser reinstalado em área mais adequada, e as instalações do Governo Civil de Lisboa podem ser reduzidas.

O Museu do Chiado ampliado cumprirá importantes funções, nomeadamente:
– Oferecer, em permanência, a mais importante colecção de arte portuguesa dos séculos XIX e XX (até à actualidade), em espaços modernos e atractivos que incluirão áreas de estar, biblioteca e a valorização do miradouro no terraço, capazes também de acolher exposições internacionais relativas ao mesmo período histórico;
Requalificar, respeitando e valorizando as memórias, o notável edifício em que está instalado, em parceria com a Faculdade de Belas-Artes e com a Academia de Belas-Artes, que, evidentemente, beneficiarão das obras a realizar. Considerando a proximidade de monumentos nacionais como o Teatro de S. Carlos e a Igreja dos Mártires, compreende-se que S. Francisco voltará a ser um pólo de excelência, atraindo para a envolvência a hotelaria, a habitação e o comércio mais qualificado;
Polarizar e disseminar práticas culturais e artísticas que articulem a história com as dinâmicas inventivas da arte actual, envolvendo artistas e outros operadores culturais, ao serviço também de moradores, de visitantes e da formação de públicos mais exigentes e participativos.


Dois novos Museus
No lugar simbólico por excelência que é a Praça do Comércio – e cuja requalificação e revitalização são centrais na estratégia definida para a Baixa-Chiado –, propomos a criação de um Núcleo do Museu da Cidade de Lisboa (dedicado ao terramoto de 1755 e à reconstrução da cidade), a instalar, como já está previsto, na ala nascente da Praça.

A função deste núcleo museológico será a de Centro de Documentação sobre a reconstrução da cidade, utilizando a riquíssima colecção de desenhos pombalinos da Câmara Municipal de Lisboa, a excepcionalidade da maqueta de Lisboa antes do terramoto, recentemente restaurada, mas também novos recursos informáticos que permitam aos investigadores e aos públicos interessados interrogar a cidade.
À ilharga da Praça do Comércio, no Edifício do Arsenal, propõe-se criar o Museu da Viagem, essencialmente virtual, didáctico e espectacular, evocando as viagens marítimas dos portugueses nas épocas imperiais, sobretudo na sua dimensão técnica e científica.

Trata-se de um projecto ambicioso – que cruzará recursos diversos, nomeadamente do Museu da Marinha – destinado também a responder à procura turística que, maioritariamente (e bem), conota Portugal e Lisboa com os Descobrimentos e a criação das primeiras rotas do comércio mundial.
Em termos físicos, propõe-se que o Museu da Viagem determine a abertura da Doca do Arsenal para exposição visitável de embarcações de especial relevância, de acordo com projectos já diversas vezes veiculados.
Tratando-se de um projecto de custos significativos, implicando nomeadamente a reinstalação de alguns serviços ali sediados, o Museu da Viagem deverá ser um projecto de médio prazo, encontrando no mecenato cultural fontes de financiamento.

O ex-Convento do Carmo, o Museu Arqueológico do Carmo e a Nova Escola de Artes e Ofícios
Recuperando e modernizando vivências antigas, propõe-se que – além dos centros vitais sediados na Praça do Comércio, no Rossio e na zona de S. Francisco – o Largo do Carmo se venha a configurar como outro pólo cultural qualificado. Este desígnio inscreve-se, aliás, no actual dinamismo da área, onde têm surgido lojas de qualidade, pequenos restaurantes atraentes e se assistiu a remodelação do Museu Arqueológico do Carmo, um dos mais antigos museus portugueses, fundado na década de 1860.

O Carmo é o “céu da Baixa”, dispondo de dois dos seus mais amados ex-líbris, as ruínas da igreja e o ponto de chegada do Elevador do Carmo. Afectas ao Museu Arqueológico, as ruínas da nave da igreja têm vindo a ser afectas a funções culturais e sociais diversas, contratualizadas com a Associação Nacional dos Arqueólogos que tutela o Museu.
É esta vertente que se pretende potenciar, integrada na Rede dos Equipamentos Culturais da Baixa-Chiado.

Neste sentido, o espaço da ex-igreja deve constituir-se como um dos anfiteatros de ar livre de Lisboa para espectáculos de cinema, teatro, música, dança e outros, articulados com as programações de outros organismos da área.

A hipótese de estabelecer, na ex-Escola Veiga Beirão, a nova Escola de Artes e Ofícios poderá ser outra importante mais-valia que dinamizará a actual tendência para o estabelecimento ali de pequenas empresas criativas, nas áreas da moda e do design.

A médio prazo, deve prever-se a desafectação do ex-convento pelos organismos militares ali instalados
, abrindo-se a possibilidade de outras ocupações mais interessantes, que poderão passar por secções da Escola de Artes e Ofícios, pela desejada ampliação do Museu Arqueológico do Carmo.


Casa dos Bicos e Teatro Romano
Dada a anunciada desafectação da Casa dos Bicos (propriedade da CML), parece de propor uma extensão arqueológica do Museu da Cidade, potenciando quer as reminiscências romanas ali presentes, quer as características do projecto museológico originariamente pensado pelo arquitecto Manuel Vicente no projecto de reabilitação de 1994, com galerias abertas, hoje entaipadas. Esta estrutura museológica deveria ser articulada com o Museu do Teatro Romano (Museu da Cidade) que lhe fica sobranceiro, criando um interessante percurso que se desenha pelas “entranhas” da cidade actual, revelando o passado romano, tão pouco valorizado até ao momento. Este percurso romano poderia ainda alargar-se quer ao criptopórtico sob a rua da Prata, quer às estruturas já museológicas do BCP.



3.2 Política pública de habitação

NOTA INTRODUTÓRIA
Encontramo-nos hoje hum momento de mudança no contexto das políticas públicas de habitação.
Se até agora fazia todo o sentido falarmos em política de habitação social, na perspectiva em que era premente construir fogos necessários para garantir o direito à habitação para todos, actualmente o grande desafio é desenvolver mecanismos eficazes de gestão social do espaço e edificado público urbano.

Deste modo, é fundamental o desenvolvimento de uma política social de habitação que permita a gestão adequada dos recursos habitacionais, que garanta a equidade social, promova a cidadania e respeite a diversidade sociocultural, por contraposição a uma visão meramente economicista de reabilitação arquitectónica do edificado e sem preocupações de regulação do mercado, adequadas à ocupação heterogénea do espaço pelos grupos populacionais.

O Projecto de Revitalização da Baixa-Chiado (PRBC) representa uma excelente oportunidade empírica para pormos à prova os efeitos desta mudança de paradigma na abordagem à reabilitação urbana, quer pela heterogeneidade das problemáticas sociais, arquitectónicas e de gestão do espaço público que envolve, quer pela nobreza do espaço, quer, ainda, pelo seu significado simbólico.O desafio é enorme, entre deixar o mercado funcionar livremente e encontrar mecanismos de regulação que, não o impedindo de funcionar, permitam uma ocupação do espaço diversificada e equitativa. Importa, neste contexto, criar instrumentos que permitam definir “quem deve ficar a residir nesta área”, “quem deve ser realojado noutra zona da Cidade” e “quem deve ser atraído a residir na Baixa-Chiado”.

Assim, de forma a delinear uma política pública (social) de habitação, assente numa perspectiva ecológica e social, invoca-se, necessariamente, a ponderação de três dimensões fundamentais: I) a avaliação do ponto de partida que justifica a implementação da política; II) o estabelecimento dos objectivos a alcançar; e III) a aferição dos instrumentos disponíveis para execução das orientações adoptadas.


AVALIAÇÃO DO PONTO DE PARTIDA
A avaliação do ponto de partida para o estabelecimento de uma política social de habitação na Baixa- Chiado deve basear-se no conhecimento da realidade sócio-ecológica da área geográfica de intervenção. Este conhecimento, integrado e multidimensional, deve abranger aspectos como a sociodemografia, as composições e dinâmicas familiares, os recursos económicos, a afiliação espacial dos grupos populacionais e suas representações sociais e dinâmicas culturais.

No momento actual, a informação colhida em diversas fontes privilegiadas (Census 2001; SCML; CML; SRU Baixa Pombalina, Juntas de Freguesia) permite-nos proceder ao pré-diagnóstico sociodemográfico da zona de intervenção.

Assim, relativamente aos aspectos demográficos e às condições sociais, podemos constatar a presença de:
– Forte coesão social dos residentes (participação local e associativismo de bairro), com uma cultura de bairro alicerçada em relações de vizinhança e com o espaço público;
– População envelhecida e em declínio demográfico;
– Atracção recente de população jovem com estatuto económico mais elevado e diferentes modos de vida;
– Contextos de familiaridade e de proximidade proporcionando relações de interajuda e de vizinhança;
– Desejo de permanência da população no local;
– Existência de más condições de habitabilidade;
– Presença de uma população idosa muito dependente e fraca existência de respostas de saúde;
– Insuficiência de respostas sociais no tocante aos idosos;
– Emergência de toda uma panóplia de comportamentos desviantes que poderão ameaçar a coesão do bairro;
– Sentimento de insegurança no imaginário da população.

Por outro lado, constata-se a existência de diferentes problemáticas sociofamiliares, em face das quais é necessário delinear uma resposta adequada, a saber:
I. Idosos isolados residentes há longa data (há mais de 40 anos), na condição de arrendatários. Este grupo dispõe de fracos recursos económicos, deficientes condições de habitabilidade e evidencia reduzida mobilidade associada frequentemente a problemas de saúde, recorrendo ao apoio da rede de vizinhança. Não deseja abandonar a zona de residência;
II. Idosos com filhos e/ou netos residentes há longa data, na condição de arrendatários. Este grupo distingue-se do grupo anterior pela coabitação, seja com os filhos adultos (em situação de desemprego ou de dependência económica, por vezes associada com problemas de saúde), seja com os netos jovens;
III. Adultos com problemas de inserção (saúde mental, toxicodependência e alcoolismo) residentes há longa data por sucessão na ocupação habitacional dos seus ascendentes. Este grupo evidencia deficiente acompanhamento médico-social;
IV. Famílias nucleares residentes há algum tempo (5-20 anos), na condição de arrendatários, com nível de rendimento médio, situado entre os 1000 euros e os 1500 euros, vivendo em más condições de habitabilidade;
V. Famílias monoparentais, resultantes de separações dos jovens cônjuges, com fraca rede social de suporte e fracos recursos económicos, normalmente os filhos e netos de residentes de há longa data;
VI. Adultos jovens residentes há muito pouco tempo (1-5 anos) e que representam a primeira face visível das parcas intervenções de reabilitação já realizadas. Incluem-se neste grupo algumas situações de profissões liberais com rendimento elevado e aquisição de habitação própria;
VII. Jovens e adultos itinerantes sem residência, vivendo, normalmente, em pensões a expensas da SCML;
VIII. Sem-abrigo, uns que apenas atravessam a zona e outros que aqui pernoitam, e têm apoio das organizações de apoio a este tipo de população.
IX. Imigrantes ilegais, que vivem em habitações insalubres, sem quaisquer condições de habitabilidade à mercê de proprietários pérfidos.

Este quadro populacional enquadra-se num parque habitacional também ele de características particulares:
I. Elevado número de fogos devolutos;
II. Deficientes condições de habitabilidade de uma grande parte dos fogos;
III. Pouca afectação de usos a habitação;
IV. Considerável peso dos actores institucionais, incluindo o próprio Município, como proprietários.

Importa, contudo, proceder a um diagnóstico aprofundado da caracterização sócio-ecológica da área geográfica de intervenção do PRBC. Este trabalho deverá ser realizado por um organismo externo competente como, por exemplo, o Laboratório Nacional de Engenharia Civil (Núcleo de Ecologia Social).


ESTABELECIMENTO DOS OBJECTIVOS
Face a este pré-diagnóstico, traçamos os seguintes objectivos estratégicos:
– Possibilitar a permanência da população residente;
– Promover a participação dos residentes nos processos de tomada de decisão inerentes ao impacto social deste projecto;
– Melhorar as condições de habitabilidade dos residentes;
– Dar resposta adequada e eficaz às problemáticas identificadas;
– Regular os efeitos do livre funcionamento do mercado imobiliário, de forma a permitir uma ocupação diversificada e equitativa do edificado.

Para levar a cabo estes objectivos estratégicos considera-se fundamental, por um lado, elaborar um Plano de Intervenção Comunitária e Social para a Baixa-Chiado e, por outro lado, proceder ao levantamento dos instrumentos legais que permitam alcançar os objectivos propostos.


INSTRUMENTOS
O Plano de Intervenção Comunitária e Social para a Baixa-Chiado tem como finalidade perspectivar uma matriz de intervenção e acompanhamento do PRBC que garanta a adequação dos recursos e a eficácia das respostas sociais às problemáticas identificadas, bem como a participação dos residentes nos processos de tomada de decisão inerentes ao impacto social deste projecto.

A execução deste plano deve ser da responsabilidade de um Gabinete Técnico de Gestão Social do PRBC, composto pelo núcleo da Rede Social de Lisboa, ou seja, o Instituto da Segurança Social, a Câmara Municipal de Lisboa e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

Este Gabinete tem como responsabilidades o atendimento aos residentes e a criação de uma Rede de Referenciação Social do PRBC. É ainda da sua responsabilidade a articulação com outros organismos públicos e privados com vista a apoiar os residentes em assuntos nas áreas jurídica, da segurança e económica.
O atendimento aos residentes será feito em local preparado para o efeito e visando informar os residentes sobre o projecto, esclarecer dúvidas, resolver problemas inerentes ao Projecto, acompanhar as famílias durante o período de intervenção e encaminhar os indivíduos e as famílias para as respostas sociais mais adequadas.
Com base no diagnóstico sócio-ecológico, será criada uma Rede de Referenciação Social para responder de uma forma adequada e célere às situações sociais. Esta Rede de Referenciação Social integrará todas as entidades consideradas relevantes no apoio às problemáticas identificadas, tais como:
– Imigração;
– Sem-abrigo;
– Saúde mental;
– Toxicodependências;
– Crianças e jovens em risco;
– Idosos.

Quanto aos instrumentos legais que permitam alcançar os objectivos de possibilitar a permanência da população residente, melhorar as condições de habitabilidade dos residentes e regular os efeitos do livre funcionamento do mercado imobiliário, de forma a permitir uma ocupação diversificada e equitativa do edificado, desde logo, registam-se as virtualidades oferecidas pelo NRAU e respectiva regulamentação, em especial as faculdades de intervenção em caso de não-realização de obras devidas pelo proprietário (relembre-se que o Município pode chegar a ter o direito de manter o prédio arrendado em regime de renda condicionada).
Por outro lado, o programa PROHABITA, actualmente em fase de revisão. Como se sabe, este programa, sob formas várias, permite obter a comparticipação do Estado Central, por intermédio do Instituto Nacional de Habitação, de diversas operações tendentes a obviar a situações de carência habitacional grave das populações beneficiárias. Destacam-se, para o fim que nos ocupa:

a. A possibilidade de realização de obras de reabilitação comparticipadas em prédios municipais, muitos dos quais, note-se, têm fracções devolutas, devendo os fogos reabilitados ser atribuídos aos destinatários recenseados em regime de renda apoiada (sendo que também a aquisição de prédios para este fim é financiável);
b. A faculdade de arrendamento, também comparticipado, de prédios ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação para posterior subarrendamento;
c. Por último, a opção de realização de obras para conversão das habitações devolutas em unidades residenciais, ou seja, em habitações ou áreas delimitadas por paredes separadoras, que podem dispor de um espaço para preparação de refeições e de uma instalação sanitária, destinadas a alojamento colectivo ou exclusivo de agregados familiares e integradas em edifício ou fracção autónoma de edifício dotado de espaços de utilização comum destinados a lazer e a serviços complementares de assistência ou de serviços aos residentes. Esta possibilidade abre as portas à possibilidade de criação de uma rede de residências assistidas que permitirão às populações idosas a continuidade de permanência no local onde sempre habitaram, com manutenção de autonomia e dos laços de vizinhança.
Esta solução apresentará evidentes benefícios, seja porque permite a manutenção da identidade colectiva do local, o que em termos de conceito imobiliário é uma mais-valia não desprezível, quer seja porque confere ao Município a oportunidade de libertar fracções e alavancar soluções várias de optimização do seu património, numa lógica de economia social. De resto, está já em curso a aprovação do primeiro projecto de arquitectura para uma residência assistida municipal, assente na reabilitação de prédio camarário na Rua do Crucifixo, a qual permitirá, com as virtualidades acima referidas, a libertação de 30 fracções no património disperso da edilidade.
No intuito de reservar uma quota de mercado habitacional para a classe média jovem, promovendo assim a transversalidade na ocupação da Baixa-Chiado, será particularmente relevante a implementação do novo programa governamental pendente de regulamentação, Porta 65, também sob a égide do INH. Este programa surge com o objectivo de dinamizar o mercado de arrendamento, tornando-o dinâmico e capaz de responder às necessidades sociais da população.Visa, essencialmente, sob a alçada do INH, disponibilizar e contratualizar serviços com os proprietários (Administração Central e Local, privados) colocando-os depois ao dispor não só de pessoas que necessitem de apoio social, como de novos perfis de agregados familiares, jovens e de classe média sub-solvente, durante o período necessário. Os proprietários deverão pagar à Porta 65 uma taxa de gestão para disponibilizarem os fogos, recebendo em troca a garantia do pagamento das rendas e a manutenção quotidiana, sendo esta última a mais relevante para a Baixa-Chiado.
A política pública de habitação para a Baixa-Chiado deverá, no ponto óptimo de intersecção entre o livre funcionamento do mercado e a regulação tendente à revitalização, responder de forma positiva ao desafio de recuperar, mantendo a identidade simbólica: aumentando e diversificando as respostas às carências habitacionais, promovendo o mercado de o arrendamento, estimulando a mobilidade residencial quando tal se justifique, apoiando a reabilitação e arrendamento dos fogos devolutos.
Esta intervenção deve operar-se numa quota a estabelecer, de forma equilibrada, no universo previsível de 5400 fogos, alcançando-se assim um desejável equilíbrio demográfico e sócio-económico entre a população residente.


3.3 Turismo
A importância estratégica e a dimensão relativa do Turismo da cidade de Lisboa, no contexto nacional, não tem cessado de crescer, e o Plano de Marketing Estratégico para Lisboa 2007-2010 tem como principal objectivo ultrapassar 2 milhões de turistas estrangeiros em 2010.
Em 2005, a Região de Lisboa foi responsável, em termos de receitas geradas na hotelaria global, por 442,5 milhões de euros, num total de 1593 milhões de euros a nível nacional (28% do total). Nesse período, as dormidas de turistas estrangeiros representaram 73% no total de dormidas nos estabelecimentos hoteleiros. E a duração média de estadia foi de 2,37 noites.
A maioria dos turistas estrangeiros que visita a cidade de Lisboa obedece a um perfil com as seguintes características principais:
– Pertence ao escalão etário entre os 36 e os 55 anos. Há um ligeiro mas contínuo crescimento de visitantes jovens (19-25 anos);
– Possui formação média ou superior;
– Viaja acompanhado.

Elege como principais actividades, durante a estadia em Lisboa, a visita a atracções (87%), passeios a pé pela cidade (86%), frequência de bares e discotecas (82%), shopping (71%) e visitas a museus (79%).
Sobre o grau de satisfação, 56% dos turistas consideraram a visita como “uma magnífica surpresa”, 20% avaliam-na acima das expectativas e 97% pensavam recomendar a visita a familiares e amigos. Numa escala de 1 a 10 (máx.), o total de entrevistados estrangeiros posicionou Lisboa com uma média de 9,23 (Inquéritos de 2005).
Pode afirmar-se que Lisboa, enquanto destino turístico:

Apresenta como principais pontos fortes
Ter uma oferta rica e diversificada de património histórico, arquitectónico e cultural, combinar história e tradição com modernidade, ser uma cidade bonita, com uma luz única e um clima privilegiado. Ser uma cidade turisticamente fácil de visitar, segura, com uma “face humana” e onde se sente uma “amabilidade geral” e empatia dos residentes para com os turistas. A cidade dispõe, hoje, de uma forte e moderna capacidade de alojamento turístico e de boas estruturas de animação e entretenimento para os visitantes.

Evidencia como pontos fracos
A degradação e consequente necessidade de requalificação do património edificado, principalmente no Centro Histórico, deficiente integração turística entre a cidade e a região envolvente, a degradação e o desaproveitamento das frentes de rio e mar, deficiente oferta de actividades marítimo-turísticas para lazer, a fraca qualidade de alguns equipamentos, do serviço prestado em grande parte das zonas de vocação turística, a deficiente sinalização rodoviária e turística, o excesso de circulação automóvel e parqueamento desordenado, e uma deficiente divulgação de eventos culturais e desportivos de projecção internacional.

Os turistas elegeram as zonas do Chiado, Belém, Av. da Liberdade, Baixa e Alfama como os locais de mais interesse. 89% dos turistas estrangeiros afirmaram ter visitado o Chiado, e 79% a Baixa.
Parte substancial do crédito de apreciação positiva que a cidade de Lisboa, como destino turístico, tem e continua a ganhar junto dos visitantes e potenciais turistas nos principais mercados emissores deve-se à efectiva atractividade turística desta zona da Baixa-Chiado. Por isso, esta deve ser objecto de um “PROGRAMA DE VALORIZAÇÃO TURÍSTICA” que permita corrigir os aspectos considerados fracos ou penalizadores e desenvolver todo o potencial de atractividade que lhe é reconhecido, contribuindo para tornar o destino turístico de Lisboa mais competitivo, para benefício da cidade, dos lisboetas e do turismo nacional.

Este programa deve atender ao que se projecta venha a ser a evolução do Turismo de cidade a nível mundial e, em particular, na Europa, nos próximos 10/15 anos, fortemente marcada por alterações estruturais e conjunturais: (novos países emissores; as novas realidades no transporte aéreo, nomeadamente a emergência e o desempenho dos “low cost”; o aumento do tempo disponível para o lazer; a facilidade de circulação de pessoas; envelhecimento da população, com maior predisposição para viagens de férias e lazer; as novas exigências dos consumidores e a intensificação da concorrência entre destinos turísticos e, particularmente, entre as principais cidades capitais da Europa…).

No Turismo dirigido às cidades capitais com perfil histórico, é indiscutível que a visitação está cada vez mais associada a motivações de carácter cultural e ao “touring” para usufruto de férias e lazer (passeios a pé, gastronomia, shopping…). Há a salientar uma crescente apetência pela visita de destinos que proporcionem facilidade de circulação pedonal ou de bicicleta.

As projecções realizadas pela Organização Mundial de Turismo (OMT) estimam em cerca de 13 milhões o número de turistas que o país deverá receber em 2010 e em 16 milhões de turistas o número que poderá vir a receber em 2020 (11,6 em 2004).
Poder-se-á estimar que, em 2010 e ao longo do ano, visitarão, no mínimo, a Baixa-Chiado:
1,8 milhões turistas estrangeiros | 1 milhão de turistas nacionais.

Considerando o período médio de estadia em Lisboa, poder-se-á também projectar um número médio de permanência diária de turistas na zona da Baixa-Chiado e ao longo do ano oscilando entre 8000 a 15.000 indivíduos, com picos, nas épocas altas, que poderão ultrapassar os 50.000 turistas/dia.
Isso mesmo reforça a necessidade de um “PROGRAMA DE VALORIZAÇÃO TURÍSTICA” para tornar a visita à zona e à cidade ainda mais interessante, e criando condições para que estes potenciais turistas possam ser fidelizados e recomendem a visita a outros.

Não cabe no âmbito deste trabalho estabelecer os princípios e pilares desse Programa, todavia não pode deixar de se insistir que ele deve procurar acompanhar a execução de numerosas medidas expostas ao longo deste Relatório e dar soluções a um certo número de questões, de que realçamos as seguintes:
– Inexistência de alojamento turístico de qualidade em edifícios de património arquitectónico classificado, reabilitados para o efeito;
– Reduzido número de esplanadas de qualidade, em locais física e visualmente atractivos, em especial nas principais praças e zonas de circulação pedonal;
– Ausência ou deficiente policiamento em áreas conhecidas de visitação e grande circulação de turistas estrangeiros (o caso do eléctrico 28 é paradigmático);
– Inexistência de equipamentos culturais “âncora” que possam atrair e fixar a atenção dos turistas para a visitação da zona;
– Inexistência de núcleos de “animação nocturna” que tornem interessante a circulação e a presença dos turistas na área a partir das 21 horas;
– Ausência de lojas de produtos de grande qualidade, nacionais ou de marca internacional;
– Ausência de percursos pedonais temáticos e de uma ciclovia que permita a circulação de bicicletas em toda a parte ribeirinha;
– Necessidade de criar condições para o desenvolvimento de actividades marítimas turísticas para lazer e usufruto dos utentes e turistas;

O Programa de Valorização Turística deve prever mecanismos de carácter excepcional para agilizar a análise e eventual aprovação e licenciamento de projectos e actividades considerados de interesse para o desenvolvimento turístico, nomeadamente a reabilitação de edifícios para “usos” turísticos, a abertura de hotéis, renovação de restaurantes, bares, esplanadas e áreas de animação, e o licenciamento de actividades marítimo-turísticas etc.

Este programa não pode estar na responsabilidade de diversas entidades públicas e privadas. Ele tem de ser da responsabilidade de uma única autoridade de preferência do organismo que suceder ao Comissariado e que vier a ter responsabilidade global pela revitalização da Baixa-Chiado.



3.4 Segurança e Protecção Civil

Os objectivos e as soluções que o Comissariado propõe para a Baixa-Chiado não serão atingidos se na Zona não existir uma garantia de segurança sob todas as suas vertentes.
O processo de revitalização, como é explicado neste Relatório, implica o reforço da presença de muito mais gente na Zona, durante mais tempo ao longo do dia e da semana. Nessas circunstâncias, como é óbvio, os vários tipos de ameaças aumentam.
Uma firme decisão de que os parâmetros de qualidade de vida urbana (e pensamos, em particular, na Higiene e Limpeza) vão ser desde o início da materialização do projecto, objecto de uma melhoria, de uma atenção especial e da vontade de atingir níveis de excelência, não pode sequer ser posto em dúvida.

Um destes parâmetros é o da segurança.
A Polícia (as Polícias de Segurança Pública e a Municipal têm de funcionar em coordenação perfeita e por isso mesmo nos referiremos apenas à Polícia) conhece perfeitamente a situação da Baixa-Chiado e tem capacidade para garantir que esses parâmetros são atingíveis.
Devem-lhe, por isso, ser fornecidos os meios humanos e materiais (menores do que à primeira vista possam parecer), por forma a que a Polícia possa sempre antecipar-se aos acontecimentos (atitude proactiva), em vez de se lhe exigir que reaja às mesmas e “remedeie” situações.
Será necessário que a Polícia mantenha e desenvolva níveis elevados de confiança com os comerciantes e os residentes (os mais interessados na materialização desse clima de segurança permanente) e, para tal, é necessário que a sua presença se torne visível.
Serão necessários polícias com aptidões linguísticas e que se criem condições para o combate imediato dos pequenos delitos. Pensamos, em particular, no que ocorre na Rua Augusta – a única via pedonal com expressão que a zona Baixa-Chiado integra – e no eléctrico 28. Ambas constituem bons exemplos do que não pode ocorrer no futuro.
A Polícia deverá ter uma atenção especial à repressão ao estacionamento ilegal e à observação das regras de cargas e descargas.
Certas zonas devem ser equipadas com videovigilância, e a monitorização constante desse clima de confiança é peça essencial nos objectivos de revitalização.
No que se refere à Protecção Civil, devem ser desenvolvidas políticas de informação aos utilizadores habituais e residentes de como reagir em situações de excepção.
Deve ser dada especial atenção, nas operações de reabilitação, à observância das medidas antifogo e às de protecção anti-sísmica.
Particularmente nestes domínios, deve ser feita uma certificação do edificado existente, operação que, por ser demorada, deve ser iniciada quanto antes, provavelmente com o apoio e atitude proactiva das companhias seguradoras.


3.5 Gestão Urbana

LIMPEZA E HIGIENE
No que se refere à limpeza e higiene urbana, é indispensável definir rotinas e processos exigentes, no que se refere a:
1. Horas de recolha de resíduos (por exemplo, não é compatível ter restaurantes abertos à noite com a sua proximidade repleta de contentores de lixo).
2. Horas de recolha de contentores vazios (que tem de estar terminada antes da abertura dos comércios).
3. Rotinas de lavagem das ruas e praças. Periodicamente (anualmente), deve ser feita uma limpeza profunda do espaço público e dos monumentos públicos e religiosos.
4. Sistemas de recolhas selectivas dos resíduos (por exemplo, sem a colaboração efectiva dos comerciantes, a recolha dos cartões será sempre uma operação ineficiente…).
5. Aspiração frequente dos locais mais nobres e frequentados.

Para além dessa definição conjunta de objectivos e processos, a SGU – Sociedade de Gestão Urbana (ver ponto 4.3.5) e os serviços camarários definirão uma política de comunicação dirigida aos residentes, comerciantes e visitantes, e uma vez estabelecidos os objectivos e a forma de actuar, o seu desempenho (que exigirá algum reforço de meios, pelo menos no que se refere à fiscalização) deverá ser acompanhado por uma avaliação externa e independente. O “objectivo-síntese” desta actuação é a obtenção de uma “certificação internacional de qualidade” para os serviços de limpeza e higiene urbana da Baixa-Chiado.

PUBLICIDADE E GRAFITIS
O número excessivo de “armários técnicos” e a indisciplina na sua distribuição é uma questão já levantada neste relatório (vide ponto 2.8). A redução do seu número (que tem a ver principalmente com a rede telefónica, televisão por cabo e rede de distribuição de electricidade) terá de ser um dos objectivos da gestão da nova “Baixa-Chiado”.

É necessária uma alteração dos regulamentos vigentes (ou mesmo de legislação) que permita um combate eficaz e imediato à colagem de publicidade, para os mais diversos fins, nessas caixas e noutros equipamentos, como candeeiros, postes de sinalização, etc.
Igualmente, serão necessárias alterações na regulamentação que permitam combater os grafitis, não só pelo estabelecimento de mecanismos eficazes de dissuasão, mas também no que se refere à definição dos deveres que incumbem aos proprietários e às entidades camarárias, e da clarificação em que condições estas podem actuar em nome daqueles, nas acções de limpeza dos grafitis e da publicidade abusiva.
Como já foi referido, todo o espaço público precisa de um tratamento no que se refere à afixação de publicidade, hoje praticamente funcionando em regime de “self-service”.